O Mar do Norte está em vias de se tornar o maior sistema de energia neutra para o clima da Europa até 2050. Ele pode fornecer o modelo para que o mesmo ocorra em outros oceanos.
Nãe é uma novidade para os países do Mar do Norte, localizado na Europa, que essa parte do oceano pode determinar a história. Steve Scrimshaw, vice-presidente da Siemens Energy, é natural de Newcastle, uma cidade repleta de sinais dos invasores e colonos romanos, anglo-saxões, vikings e normandos que atravessaram o Mar do Norte e ajudaram a moldar o país que agora é chamado de Inglaterra; eles usaram as mesmas águas para construir laços comerciais com a Europa e mais além. Estabelecido originalmente pelos romanos em 78 da Era Cristã, o Porto de Tyne foi usado para comércio com a Espanha, Itália e o norte da Europa e hoje é um dos portos de mar profundo mais eficientes do Reino Unido.
Nos últimos cinquenta anos, os hidrocarbonetos foram explorados abaixo dessas ondas, que um dia já foi um reino de florestas. Isso contribuiu, por exemplo, para tornar a Noruega um dos países mais ricos do continente e ajudou a atender às necessidades de energia da Europa durante décadas. Diante da crescente crise do clima, agora há uma iniciativa ousada para mudar a direção e “descarbonizar” o Mar do Norte, que pode proporcionar um plano extremamente necessário para que o mesmo ocorra em outros mares e oceanos.
A tecnologia não vai nos limitar, mesmo que precisemos ser adaptáveis – o que pensamos ser as soluções de hoje podem não ser as soluções de amanhã.
Steve Scrimshaw
vice-presidente Siemens Energy do Reino Unido
Uma vertente dessa parceria é entre os stakeholders dentro dos países. Em Roterdã, o governo, o porto e a indústria petroquímica se uniram ao projeto Porthos para capturar carbono e armazená-lo em campos de gás submarinos esgotados – algo muito importante, pois mais de um quinto de todas as emissões de carbono holandesas atualmente emanam da área portuária de Roterdã.
Perto da cidade natal de Steve, Newcastle, há uma iniciativa público-privada semelhante, o “Net-Zero Teesside”, onde empresas industriais, de energia e de hidrogênio estão se unindo para descarbonizar suas operações por inteiro.
Outra vertente é algo mais visível com interconectores, que ligam países e sistemas de energia em todo o Mar do Norte. A Elia da Bélgica e a National Grid do Reino Unido montaram o trecho Nemo Link, que possui um link de HVDC de última geração da Siemens Energy, que pode abastecer um milhão de residências. No momento, os interconectores apenas ligam os dois países, mas no futuro poderão conectar todas as regiões que fazem fronteira com o Mar do Norte.
A terceira faceta da parceria é entre as empresas. A Siemens Energy está fornecendo os equipamentos para o projeto de eletrificação Troll West da Equinor, que reduzirá as emissões de plataformas offshore em meio milhão de toneladas.
A empresa também está planejando atualizar duas plataformas CJ70 para ambiente ultra agressivo da Maersk Drilling, com usinas de energia híbridas que usam armazenamento de energia em baterias de íons de lítio, reduzindo as emissões de CO2 em um quarto e as emissões de NOx em 95%.
A transição do Mar do Norte para Emissões Líquidas Zero exigirá soluções complexas e inéditas que nenhuma empresa pode fornecer sozinha. Uma delas são as ilhas de energia – centros de eletricidade no Mar do Norte construídos em ilhas artificiais feitas pelo homem. A Elia e a Energinet da Dinamarca estão trabalhando em conjunto naquilo que pode ser uma primeira inovação mundial em conexão submarina entre duas dessas ilhas de energia artificiais. Também há planos avançados na Alemanha, Holanda e na Escócia. O intercâmbio de eletricidade já ocorre, entretanto, soluções futuras facilitarão não apenas a distribuição de energia, mas também o armazenamento, por exemplo, de hidrogênio, que pode ser gerado por eletrólise de energia eólica. Os custos da energia e dos investimentos podem ser compartilhados entre os países vizinhos do Mar do Norte.
Tais projetos ambiciosos só podem se tornar realidade se os parceiros certos se unirem. Por exemplo, em junho de 2022, a Siemens Energy e a Air Liquide anunciaram a criação de uma joint venture para a produção em grande escala de eletrolisadores de hidrogênio renovável na Europa. Combinando seus conhecimentos, as empresas pretendem viabilizar o surgimento de uma economia sustentável baseada em hidrogênio na Europa.
Com tudo o que está acontecendo no planeta Terra no momento, essa parece ser uma responsabilidade moral e também empresarial.
O que está impulsionando essa colaboração sem precedentes? Para Steve, a resposta é simples. Refletindo sobre o futuro dos seus dois netos e dos colegas, ele disse: “Com tudo o que está acontecendo no planeta Terra no momento, essa parece ser uma responsabilidade moral e também empresarial. Quando eventualmente partirmos, deveremos ter feito deste mundo um lugar melhor para se viver.”
E essa força de sentimento é evidente em todo o noroeste da Europa. Em maio de 2022, a Alemanha, Holanda, Bélgica e Dinamarca assinaram a Declaração de Esbjerg para construir 150 GW de geração eólica offshore adicional no Mar do Norte e a infraestrutura associada para isto. No mesmo mês, a União Europeia publicou seu Plano REPowerEU para encerrar a dependência de hidrocarbonetos da Rússia. Muitos países que fazem fronteira com o Mar do Norte também estão desenvolvendo planos nacionais para ajudar a atingir emissões líquidas zero de carbono até 2050.
A Siemens Energy está empenhada em desempenhar o seu papel, entre outras coisas, garantindo que o Mar do Norte seja o maior sistema de energia neutro em termos de clima da Europa, até lá. Steve explica o que isso significa para o Reino Unido, por exemplo: “Teremos que substituir o sistema elétrico atual por um de cinco a dez vezes maior”, incluindo mais dezenas de GWs de capacidade eólica em instalações offshore. O ambiente político produziu o que ele chama de “uma tempestade perfeita” para uma mudança dinâmica, entretanto os desafios futuros permanecem imensos.
Os oito países que fazem fronteira com o Mar do Norte estão acostumados com fortes tempestades. Os ventos podem chegar até 183 km/h, gerando ondas com mais de 14 metros de altura. A pouca profundidade de grande parte da plataforma permitiu a construção de turbinas que transformam essas rajadas de vento em eletricidade. As interconexões com a terra e entre países em condições tão inóspitas tornam o Mar do Norte uma evidência inequívoca de progresso e inovação, servindo de exemplo para as possibilidades de qualquer área habitável do planeta.
Rápidos avanços tecnológicos se traduzem em ventos favoráveis para os planos de descarbonização. Para começar, as turbinas eólicas atuais instaladas no leito do mar provavelmente serão complementadas por versões flutuantes para águas mais profundas. Algumas delas também poderiam fornecer energia elétrica para algumas das mais de 180 plataformas de petróleo e gás, que são outro elemento-chave do ambiente de energia do Mar do Norte.
Existem várias maneiras para reduzir as pegadas de carbono dessas plataformas enquanto elas continuam operando, funcionando como uma parte importante da redução da dependência de importações russas, da mudança do carvão para combustíveis com baixo teor de carbono e do fornecimento de segurança energética durante a transição para o Net Zero.
Mais uma vez, o próprio Mar do Norte oferece soluções potenciais, bem como desafios: “Seria possível dessalinizar a água e extrair o hidrogênio dela”, aponta Steve. Enquanto isso, a eficiência energética da plataforma pode ser aumentada. Mesmo que o insumo elétrico não esteja disponível, existem outras opções para descarbonizar:
O carbono pode ser capturado do metano que atualmente é queimado para alimentar os compressores que fazem o bombeamento das plataformas. O próprio Mar do Norte oferece excelentes locais em potencial onde esse carbono pode ser enterrado. O metano também pode ser substituído como combustível, por várias opções possíveis de hidrogênio, por exemplo, de metanol ou amônia.
O hidrogênio ainda não tem essa regulação governamental, então fica a história do que vem primeiro o ovo ou a galinha, que ficam esperando um pelo outro.
A promessa do hidrogênio nos leva à política governamental. A energia eólica em instalações offshore se expandiu porque um mercado final foi claramente criado, em países como Alemanha e Reino Unido, e sua energia pode ser vendida diretamente para redes elétricas nacionais. “O hidrogênio ainda não tem essa regulação governamental”, lamenta Steve, “então os ovos e a galinha ficam esperando um pelo outro”, mas ele tem certeza de que os governos continuarão redesenhando suas estruturas políticas para garantir que o hidrogênio, a captura e o armazenamento de carbono e outros mercados crescerão, reduzindo custos, como aconteceu com a energia eólica.
Existem outras tecnologias em evolução que interessam ao Steve. Ele fala de um programa piloto da Siemens Energy no Rutherford Appleton Laboratory, em Oxford, que usou a energia gerada por uma turbina eólica para produzir amônia verde, que se tornou o combustível para um motor de combustão. A amônia também é interessante por seu uso como veículo para o transporte de hidrogênio. As possibilidades são empolgantes, mas também destacam que, à medida que os engenheiros de petróleo e gás são treinados novamente em energias renováveis, também pode haver a necessidade de químicos mais jovens.
Quais são então os gargalos, além dos atrasos na evolução da regulamentação? Steve é claro sobre isto: “A tecnologia não vai nos limitar, mesmo que precisemos ser adaptáveis. Aquilo que pensamos ser a solução hoje pode não ser a solução para o futuro”. Ele acredita que provavelmente seremos limitados por capacidades de produção e por encontrar uma força de trabalho que tenha as habilidades necessárias, na área de transmissão, por exemplo. À medida que as fontes de energia se afastam das atuais e a intermitência aumenta, fica claro que nossa infraestrutura precisará de uma reconfiguração em larga escala. O ritmo das colaborações terá que aumentar ainda mais para resolver isto.
Se isso puder ser feito, como os países do Mar do Norte trabalham juntos não apenas para eliminar o carbono, mas também para gerar, armazenar, converter e transportar grandes volumes de energia renovável, parece certo que esse dinamismo e experiência se irradiarão em todas as direções do mundo. Mais uma vez, o corpo relativamente pequeno de água que é o Mar do Norte exercerá uma influência gigantesca em todo o mundo.
Setembro, 2022
Daniel Whitaker é economista e jornalista sediado em Londres. Seu trabalho apareceu em várias publicações de negócios e também em jornais como o Financial Times e o The Economist.